Meninos do mangue:
Por Igor Ojeda, da Repórter Brasil
de João Pessoa (PB)
Distante alguns quilômetros das movimentadas praias de Tambaú e do Cabo Branco, o bonito centro histórico de João Pessoa, capital da Paraíba, abriga centenas de edificações de diferentes arquiteturas e épocas. Igrejas, sobrados e casas, além de ruas e praças, compõem o cenário. Barroco, rococó, colonial, maneirismo, art noveau… há estilos para todos os gostos. Caminhando rumo à chamada Cidade Baixa o visitante se depara com um conjunto compacto de casarios coloniais. Chama a atenção a igreja e o antigo Hotel Globo, que hoje funciona como centro cultural. Mal sabe o turista, no entanto, que logo atrás desses prédios “esconde-se” uma dura realidade: o Porto do Capim, comunidade de baixa renda localizada às margens do rio Sanhauá.
Muitos moradores da comunidade vivem em barracos à beira do mangue (Fotos: Igor Ojeda)
São cerca de 350 famílias pobres vivendo sob condições muito difíceis, morando em casas simples de alvenaria ou barracos de madeira à beira do mangue. Seus moradores, em geral, trabalham em oficinas mecânicas e madeireiras próximas, ou como descarregadores de caminhão, entre outras ocupações. Muitos recebem o Bolsa Família, que não é suficiente, porém, para o sustento da famílias. Na comunidade não há posto de saúde, quadra poliesportiva ou equipamentos culturais. E a única escola pública atende apenas alunos da primeira à quarta série do ensino fundamental.
A total ausência de opções de lazer e cultura e a necessidade de complementar a renda se traduzem numa triste realidade que acompanha o Porto do Capim há anos. Crianças e adolescentes passam horas coletando caranguejos-uçás e guaiamuns – outro tipo de caranguejo – nos mangues locais para depois os venderem para a população da cidade. “Durante o ano inteiro, eles armam a ratoeira pela beira do mangue para pegarem o guaiamum e depois saem vendendo. Já durante a andada do caranguejo-uçá, é muita criança dentro do rio. É mais perigoso, porque precisa atravessar o rio, pode cair dentro da água”, explica Sebastião Camelo, presidente da Associação dos Moradores do Porto do Capim. A andada é o período em que há o acasalamento e a desova dos caranguejos-uçás, o que os leva a ficarem mais tempo fora da toca, tornando-os presas fáceis. A cata desses crustáceos é proibida durante essa época.
Para vender e para comer
“Os meninos pegam os caranguejos tanto para comer quanto para vender. A criança às vezes quer uma roupa, mas o pai não pode dar. E muitas vezes precisa levar alguma comida para casa”, conta Sebastião. “Aqui, a menor casa tem cinco filhos.” Segundo ele, há na comunidade cerca de 400 crianças de um a dez anos de idade. O Bolsa Família, explica, não alcança para pagar todas as contas. “Tem família que às vezes bate em casa porque não tem um prato de comida para comer”, diz.
A atividade em mangues é considerada uma das piores formas de trabalho infantil, de acordo com o decreto presidencial 6.481, de 2008. Segundo tal documento, nesse tipo de trabalho crianças e adolescentes são expostos à umidade e excrementos, cortes e perfurações e picadas de serpentes. Além disso, podem contrair doenças como rinite, resfriado, bronquite, dermatite, leptospirose e hepatite viral. “Aqui as crianças se machucam muito, pois no mangue tem muito galho, tocos, além de entulho jogado, como vidro, ferros, até pedaços de vasos sanitários. É muito arriscado. Tem um caso de um morador que quando era criança chegou a rasgar o pé num ferro, de um lado ao outro. Levou 36 pontos. Além disso, o próprio caranguejo pode cortar o dedo dos meninos”, explica o presidente da Associação dos Moradores do Porto do Capim.
Tragédia
Uma consequência extrema do trabalho infantil no mangue da comunidade aconteceu em janeiro deste ano, quando uma criança de 11 anos morreu afogada enquanto catava caranguejo. “A maré estava seca. Quando o caranguejo correu, o menino escorregou e o barro o puxou para baixo. Ele ficou em pé, atolado, encoberto pela lama. Não tinha adulto perto na hora. Quando chegamos para tentar salvá-lo, não os encontrávamos, pois pensamos que a maré o tinha levado. Mas ele estava exatamente onde tinha afundado. Demoramos 40 minutos para achá-lo”, lembra Sebastião. Os bombeiros e paramédicos tentaram reanimar a criança, mas ela já chegou morta ao hospital. “Ele era muito brincalhão, todo mundo gostava dele.”
À Repórter Brasil, o pai do menino nega que o filho, que ainda estava aprendendo a nadar, catava caranguejo para vender. “Eu dizia a ele que não havia precisão, pois eu sou bem empregado, trabalho na madeireira. Trabalho muito para que meus filhos não precisem trabalhar. Tanto que ele não vendia, o que ele pegava doava para a comunidade. Eu não deixava, não queria que ele catasse caranguejo nem por esporte. Sei que o rio é fundo. Mas ele se juntou com outros meninos… infelizmente aconteceu”, diz o homem, que tem outros cinco filhos. Segundo ele, no mesmo dia do acidente um vizinho o avisou que o menino tinha lhe dado dez caranguejos. “Quis pagar, mas meu filho não aceitou. Ele era minha vida, mas era teimoso. Foi estripulia de pirralho.”
Gabriel*, de oito anos, pega caranguejo e guaiamum desde os cinco
Um dia antes da tragédia, um incidente inusitado assustou a comunidade. Um boato de que Gabriel* havia caído do trapiche local causou correria entre os moradores. Mas o garoto de oito anos estava longe dali, acompanhando a mãe em uma missa. Até hoje não se sabe o que gerou o rumor, mas a população do Porto do Capim consideram-no um aviso do que ocorreria 24 horas depois. Para completar, o menino era primo da vítima de afogamento. “Eu não estava junto não. Ele passou de manhã para o mangue, mas minha mãe mandou voltar. De tarde voltou, escondido”, conta Gabriel, que desde os cinco anos de idade também pega caranguejo-uçá e guaiamum. “Hoje eu estava pegando guaiamum na ratoeira. Caranguejo-uçá a gente pega na andada, com a mão, com pau, com a chinela”, explica. O garoto diz que se corta com frequência, em pedaços de vidro e madeira. “Pego mais ou menos uma sacola por dia [cerca de 15 quilos], para comer e para vender. Uma parte eu levo para casa, outra eu dou para minha tia cozinhar e vender no bar dela. O dinheiro eu dou para minha mãe guardar.”
Políticas públicas
O falecimento do menino de 11 anos no Porto do Capim levou o procurador-chefe do Trabalho no estado, Eduardo Varandas, a abrir um procedimento para acompanhar a implementação de políticas públicas de combate ao trabalho infantil na Paraíba. Quem está à frente do caso é a procuradora Edlene Lins Felizardo, titular da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes (Coordinfância) no estado. Ela está propondo à Prefeitura de João Pessoa a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) contendo uma série de medidas a serem tomadas para melhorias das condições de vida no Porto do Capim, como sua revitalização. “Nesse TAC, incluí não apenas a questão dessa comunidade, mas também diversos outros assuntos relacionados ao trabalho infantil na cidade. Temos problemas também nos mercados, feiras livres e praias, por exemplo, onde crianças costumam vender amendoins”, diz a procuradora, que também acionou o Conselho Tutelar por meio de uma notificação recomendatória. Nesta, pede-se que o órgão fiscalize a incidência de trabalho infantil nos mangues e comunique a situação ao Ministério Público do Trabalho e à Secretaria de Assistência Social do município, para que as crianças sejam encaminhadas, por exemplo, ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e ao Centro de Referência de Assistência Social (Cras), ambos do governo federal.
A procuradora Edlene Lins Felizardo conversa com Sebastião, da associação de moradores
Edlene espera que a Prefeitura formule uma solução que contemple as necessidades da comunidade do Porto do Capim. “Há o problema de ser uma ocupação em uma área da União. Mas você não pode simplesmente pegar as famílias e expulsá-las. É um problema político que a Prefeitura tem de resolver”, opina. Segundo Sebastião, da associação de moradores, o ideal seria revitalizar o local, reformando as casas, e construir um píer para ser usado como ponto turístico.
A reportagem falou com a assessoria de imprensa da Prefeitura de João Pessoa, que a pôs em contato com a secretária de Desenvolvimento Social Marta Geruza Gomes. Esta, por sua vez, não se posicionou sobre o assunto até o fechamento desta matéria.
* nome alterado para preservar a identidade do entrevistado
*********************************************************************************************Publicando tardiamente, mas necessário conhecermos a realidade do trabalho escravo infantil no Brasil. PUBLICANDO NO BLOG-TERNURA DE DEUS,APOIANDO O PROJETO Promenino e Reporter Brasil
Sonia Maria
Atom
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Reportagem produzida a partir de parceria entre o Promenino e a Repórter Brasil
promenino
Por Igor Ojeda, da Repórter Brasil
de João Pessoa (PB)
Distante alguns quilômetros das movimentadas praias de Tambaú e do Cabo Branco, o bonito centro histórico de João Pessoa, capital da Paraíba, abriga centenas de edificações de diferentes arquiteturas e épocas. Igrejas, sobrados e casas, além de ruas e praças, compõem o cenário. Barroco, rococó, colonial, maneirismo, art noveau… há estilos para todos os gostos. Caminhando rumo à chamada Cidade Baixa o visitante se depara com um conjunto compacto de casarios coloniais. Chama a atenção a igreja e o antigo Hotel Globo, que hoje funciona como centro cultural. Mal sabe o turista, no entanto, que logo atrás desses prédios “esconde-se” uma dura realidade: o Porto do Capim, comunidade de baixa renda localizada às margens do rio Sanhauá.
Muitos moradores da comunidade vivem em barracos à beira do mangue (Fotos: Igor Ojeda)
São cerca de 350 famílias pobres vivendo sob condições muito difíceis, morando em casas simples de alvenaria ou barracos de madeira à beira do mangue. Seus moradores, em geral, trabalham em oficinas mecânicas e madeireiras próximas, ou como descarregadores de caminhão, entre outras ocupações. Muitos recebem o Bolsa Família, que não é suficiente, porém, para o sustento da famílias. Na comunidade não há posto de saúde, quadra poliesportiva ou equipamentos culturais. E a única escola pública atende apenas alunos da primeira à quarta série do ensino fundamental.
A total ausência de opções de lazer e cultura e a necessidade de complementar a renda se traduzem numa triste realidade que acompanha o Porto do Capim há anos. Crianças e adolescentes passam horas coletando caranguejos-uçás e guaiamuns – outro tipo de caranguejo – nos mangues locais para depois os venderem para a população da cidade. “Durante o ano inteiro, eles armam a ratoeira pela beira do mangue para pegarem o guaiamum e depois saem vendendo. Já durante a andada do caranguejo-uçá, é muita criança dentro do rio. É mais perigoso, porque precisa atravessar o rio, pode cair dentro da água”, explica Sebastião Camelo, presidente da Associação dos Moradores do Porto do Capim. A andada é o período em que há o acasalamento e a desova dos caranguejos-uçás, o que os leva a ficarem mais tempo fora da toca, tornando-os presas fáceis. A cata desses crustáceos é proibida durante essa época.
Para vender e para comer
“Os meninos pegam os caranguejos tanto para comer quanto para vender. A criança às vezes quer uma roupa, mas o pai não pode dar. E muitas vezes precisa levar alguma comida para casa”, conta Sebastião. “Aqui, a menor casa tem cinco filhos.” Segundo ele, há na comunidade cerca de 400 crianças de um a dez anos de idade. O Bolsa Família, explica, não alcança para pagar todas as contas. “Tem família que às vezes bate em casa porque não tem um prato de comida para comer”, diz.
A atividade em mangues é considerada uma das piores formas de trabalho infantil, de acordo com o decreto presidencial 6.481, de 2008. Segundo tal documento, nesse tipo de trabalho crianças e adolescentes são expostos à umidade e excrementos, cortes e perfurações e picadas de serpentes. Além disso, podem contrair doenças como rinite, resfriado, bronquite, dermatite, leptospirose e hepatite viral. “Aqui as crianças se machucam muito, pois no mangue tem muito galho, tocos, além de entulho jogado, como vidro, ferros, até pedaços de vasos sanitários. É muito arriscado. Tem um caso de um morador que quando era criança chegou a rasgar o pé num ferro, de um lado ao outro. Levou 36 pontos. Além disso, o próprio caranguejo pode cortar o dedo dos meninos”, explica o presidente da Associação dos Moradores do Porto do Capim.
Tragédia
Uma consequência extrema do trabalho infantil no mangue da comunidade aconteceu em janeiro deste ano, quando uma criança de 11 anos morreu afogada enquanto catava caranguejo. “A maré estava seca. Quando o caranguejo correu, o menino escorregou e o barro o puxou para baixo. Ele ficou em pé, atolado, encoberto pela lama. Não tinha adulto perto na hora. Quando chegamos para tentar salvá-lo, não os encontrávamos, pois pensamos que a maré o tinha levado. Mas ele estava exatamente onde tinha afundado. Demoramos 40 minutos para achá-lo”, lembra Sebastião. Os bombeiros e paramédicos tentaram reanimar a criança, mas ela já chegou morta ao hospital. “Ele era muito brincalhão, todo mundo gostava dele.”
À Repórter Brasil, o pai do menino nega que o filho, que ainda estava aprendendo a nadar, catava caranguejo para vender. “Eu dizia a ele que não havia precisão, pois eu sou bem empregado, trabalho na madeireira. Trabalho muito para que meus filhos não precisem trabalhar. Tanto que ele não vendia, o que ele pegava doava para a comunidade. Eu não deixava, não queria que ele catasse caranguejo nem por esporte. Sei que o rio é fundo. Mas ele se juntou com outros meninos… infelizmente aconteceu”, diz o homem, que tem outros cinco filhos. Segundo ele, no mesmo dia do acidente um vizinho o avisou que o menino tinha lhe dado dez caranguejos. “Quis pagar, mas meu filho não aceitou. Ele era minha vida, mas era teimoso. Foi estripulia de pirralho.”
Gabriel*, de oito anos, pega caranguejo e guaiamum desde os cinco
Um dia antes da tragédia, um incidente inusitado assustou a comunidade. Um boato de que Gabriel* havia caído do trapiche local causou correria entre os moradores. Mas o garoto de oito anos estava longe dali, acompanhando a mãe em uma missa. Até hoje não se sabe o que gerou o rumor, mas a população do Porto do Capim consideram-no um aviso do que ocorreria 24 horas depois. Para completar, o menino era primo da vítima de afogamento. “Eu não estava junto não. Ele passou de manhã para o mangue, mas minha mãe mandou voltar. De tarde voltou, escondido”, conta Gabriel, que desde os cinco anos de idade também pega caranguejo-uçá e guaiamum. “Hoje eu estava pegando guaiamum na ratoeira. Caranguejo-uçá a gente pega na andada, com a mão, com pau, com a chinela”, explica. O garoto diz que se corta com frequência, em pedaços de vidro e madeira. “Pego mais ou menos uma sacola por dia [cerca de 15 quilos], para comer e para vender. Uma parte eu levo para casa, outra eu dou para minha tia cozinhar e vender no bar dela. O dinheiro eu dou para minha mãe guardar.”
Políticas públicas
O falecimento do menino de 11 anos no Porto do Capim levou o procurador-chefe do Trabalho no estado, Eduardo Varandas, a abrir um procedimento para acompanhar a implementação de políticas públicas de combate ao trabalho infantil na Paraíba. Quem está à frente do caso é a procuradora Edlene Lins Felizardo, titular da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes (Coordinfância) no estado. Ela está propondo à Prefeitura de João Pessoa a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) contendo uma série de medidas a serem tomadas para melhorias das condições de vida no Porto do Capim, como sua revitalização. “Nesse TAC, incluí não apenas a questão dessa comunidade, mas também diversos outros assuntos relacionados ao trabalho infantil na cidade. Temos problemas também nos mercados, feiras livres e praias, por exemplo, onde crianças costumam vender amendoins”, diz a procuradora, que também acionou o Conselho Tutelar por meio de uma notificação recomendatória. Nesta, pede-se que o órgão fiscalize a incidência de trabalho infantil nos mangues e comunique a situação ao Ministério Público do Trabalho e à Secretaria de Assistência Social do município, para que as crianças sejam encaminhadas, por exemplo, ao Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) e ao Centro de Referência de Assistência Social (Cras), ambos do governo federal.
A procuradora Edlene Lins Felizardo conversa com Sebastião, da associação de moradores
Edlene espera que a Prefeitura formule uma solução que contemple as necessidades da comunidade do Porto do Capim. “Há o problema de ser uma ocupação em uma área da União. Mas você não pode simplesmente pegar as famílias e expulsá-las. É um problema político que a Prefeitura tem de resolver”, opina. Segundo Sebastião, da associação de moradores, o ideal seria revitalizar o local, reformando as casas, e construir um píer para ser usado como ponto turístico.
A reportagem falou com a assessoria de imprensa da Prefeitura de João Pessoa, que a pôs em contato com a secretária de Desenvolvimento Social Marta Geruza Gomes. Esta, por sua vez, não se posicionou sobre o assunto até o fechamento desta matéria.
* nome alterado para preservar a identidade do entrevistado
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Sonia Maria
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Reportagem produzida a partir de parceria entre o Promenino e a Repórter Brasil
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