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Os tempos que correm, correm para onde? Pergunta que não cala quando se instala a contradição entre os instrumentos do bem-estar e o real bem-estar, minando a qualidade de vida de todos. Os engarrafamentos que paralisam a cidade e que pioram a cada dia são o sintoma mais visível desse paradoxo. Quem sonhou ter um carro anda hoje no Rio de Janeiro na velocidade de um lombo de burro. Porque todos querem rapidez, ninguém se mexe.
Nos aeroportos brasileiros, corre-corre, atrasos e voos anulados, o estresse que daí resulta diminui substancialmente as vantagens da viagem de avião. Os ônibus estão ganhando a corrida com a Ponte Aérea, a tartaruga ultrapassando a lebre.
No plano da psicologia individual, a corrida contra o tempo é o leitmotiv da vida urbana. Dorme-se pouco, come-se rápido, fazem-se várias coisas ao mesmo tempo — cozinhando, vê-se televisão e fala-se no celular — estratégia batizada de multitarefas. O sociólogo alemão Helmut Rosa, apoiado em estatísticas, constata que a depressão tornou-se uma doença urbana globalmente epidêmica. Na origem, a fome de tempo.
A obviedade, constantemente repetida, de que as novas tecnologias aceleram o ritmo do cotidiano encobre o fato que elas nascem de um fascínio pela rapidez que sempre fez parte das ambições humanas. O e-mail, sublime invenção, tornaria a comunicação mais rápida se o volume da correspondência se mantivesse estável. Porque mais rápida, cresceu exponencialmente.
A Web, contrariamente ao esperado, fez-se devoradora de tempo. Quanto mais esse fascínio pela rapidez é satisfeito, mais nos aproximamos de seu limite fatal, o esgotamento das 24 horas do dia, não só em sua dimensão de tempo em que se acotovelam atividades desejadas e tarefas a cumprir como também em sua dimensão de esgotamento psicológico, a capacidade humana de absorver e processar informação.
A internet propicia a presença simultânea em uma infinidade de universos, uma vivência múltipla e sem continuidade. Se por um lado isso abre horizontes, informa e diverte, por outro provoca uma indigestão mental ou, no caso extremo de viciados na rede, leva à overdose. Para esses, já está à venda um aplicativo que bloqueia o uso da rede depois de um tempo determinado.
Ver no telejornal as imagens de um show de rock enquanto corre embaixo da tela uma legenda noticiando a descoberta de centenas de corpos mutilados na Síria exige uma inusitada negociação de sentimentos. Instala-se uma não discriminação que tudo aplaina.
Canais de informação dividem suas telas em quatro para multiplicar a possibilidade de imagens e dados. Assim esperam acompanhar a performance das bolsas cuja unidade de tempo de operação é inferior a um segundo. Esse exemplo flagra a força do princípio da competição, pano de fundo da aceleração. Esse princípio que inspira a economia se alastra pelo conjunto da vida: a luta pelos empregos, pelos bens de consumo, pela posição social. Como o competidor não dorme, para ser competitivo há que ser insone. Como na prova de esforço, corre-se cada vez mais para não sair do lugar. Quem não aguenta o ritmo, enfarta.
Não se trata de demonizar a tecnologia que, indiferente, serve ao que as sociedades definem como necessidades. São instrumentos adaptados ao desejo de aceleração que todos, aprendizes de feiticeiro, imprimimos ao cotidiano.
Engarrafamentos de pesadelo, acampamentos nos aeroportos, depressões epidêmicas são sintomas de uma mesma disfunção, do esgotamento de um modo de vida a ser repensado, com a cabeça no futuro, sem saudosismos.
A título de exemplo, as horas de ponta do trânsito existem porque todos entram e saem do trabalho às mesmas horas, estendendo a todo e qualquer trabalho a lógica da fábrica. E se, em vez de apenas alargar ruas — solução espacial — se pensasse o espaçamento dos horários de expediente — solução temporal? Essa ideia inovadora que age não sobre o engarrafamento, mas sobre os tempos da cidade, foi testada com sucesso em Milão, envolvendo empresas, escolas e prefeitura em uma solução de custo zero, fora do marco de referência do urbanismo convencional.
Quando um sistema entra em colapso duas atitudes são recomendáveis: passar recibo de que se trata de um colapso e buscar soluções fora de sua lógica. Nenhum sistema se regenera usando os mesmos recursos e soluções que o fizeram degenerar. O que está em questão não é tanto este ou aquele aspecto da aceleração que afeta nossas vidas e sim a lógica dessa estranha forma de vida. Em tela de juízo, a lógica do sempre mais e mais rápido.
Rosiska Darcy de Oliveira é escritora
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Ótima análise, sempre estamos comentando sobre esta estranha forma de viver..Apressada, correndo, o alto preço sobre a saúde, sobre as relações humanas....
Encontro ressonância no artigo.
Sonia Maria
Atom
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