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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

a gente se acostuma

a gente se acostuma: "

Eu sei, mas não devia, por Marina Colasanti
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
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A foto é de Samuel Bradley -
Textoacinma link::htpp//feedproxi. googlecom/~r/donttouchmymoleskins/gsX/3/8F7794lm9

Tão interessante e necessária esta crônica de Marina Colasanti...tem sido assim parece a postura de muita gente no planeta..Vai se acostumando com as coisas..Ai o mundo continua do mesmo modo...
A gente nem percebe às vezes que está se acostumando com o péssimo estado das estradas, o caos na educação, a banalidade da violencia urbana e familiar......, f falta  a ausência de humanismo na sociedade, a pouca comunicação entre os parentes e derentes ...Realmente a gente vai se acostumando.
Acho que por isto às vezes sou considerada inadequada, chata, incômoda, por que eu não vou me acostumando....
"Uma vez, viajando de Guarapuava  à Curitiba, cansada da semana exaustiva na Saúde Pública, altamente desgastada, entrei no ônibus e tinha Televisão. Pensei , pelo menos poderei ver um filme agradável para distrair..O ônibus estava cheio de crianças com seus pais.
Então para minha surpresa o filme que começou a ser apresentado era tudo que eu abominava-: violencia, cenas de relacionamentos entre homens e mulheres inadequados  especialmente para as crianças, uma gritaria danada., uso de alcool  etc..Bem ninguem se incomodava com o fato.Pensei estão mortos?, at´o s pais?
Mas, resolvi falar com o motorista, pois eu não estava suportando aquela visão na mina  mente..Perguntei ao motorista? "Não tem outro filme para passar? Não, senhora, Está programado este.Olhei para o mesmo e disse-lhe:"Escute eu não sou obrigada a ver este lixo de filme , o ônibus está cheio de crianças e penso que é algo danoso para todos Por favor pare de passar o filme.Melhor ficar sem o mesmo...Até disse-lhe se este filme continuar passando eu vou pedir ao Senhor para parar na Policia Rodoviária e pego outro ônibus1. Acho que minha indignação era tanto que não sabia o que dizer de maneira mais adequada...Voltei para a cadeira, as pessoas me olhavam de maneira especial. Pensei será que sou um ET?
Bem é isso aí, esta maneira de não se incomodar é o que paralisa as mudanças..Queremos nos manter assim para não nos incomodarmos, pois vai dar trabalho, vai doer com certeza...Mas prefiro a dor do incomodo do que a morte da paralisia da vontade.
Gostei demais. Sempre leio alguma coisa de Marina Colasanti é uma Escritora especial...
Sônia-Londrina/2010

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